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Por: Douglas Nassif Cardoso
Princípios Missiológicos de Robert e Sarah Kalley

A Formação da Primeira Igreja Evangélica Brasileira


O estabelecimento da Igreja Evangélica Fluminense, primeira igreja do protestantismo de missão no Brasil, foi fruto do desenvolvimento de interessantes princípios missiológicos por parte de Robert e Sarah Kalley. Buscaremos elencar três deles neste artigo:


1º) EXERCER MINISTÉRIOS RELEVANTES À COMUNIDADE LOCAL

Ao desembarcarem no Brasil, em 10 de maio de 1855, Robert e Sarah encontraram uma cidade epidêmica, com muitas mortes devido a diversas enfermidades, como o palustre, a febre amarela, a varíola e a peste bubônica. Naquele tempo, o maior inimigo da saúde pública era o cólera, recém chegado do nordeste do país. Robert disponibilizou seus conhecimentos médicos e farmacêuticos para o atendimento junto a comunidades pobres, sem fins lucrativos. Esta ajuda foi noticiada no jornal Correio Mercantil de 20 de novembro de 1855.
Outra necessidade percebida pelos Kalley ao chegarem a Petrópolis foi a falta de escolas para ensino religioso e de música. Sarah, ao perceber esta necessidade, disponibilizou seus conhecimentos na parte de música e de escola dominical a fim de atingir população de sua vizinhança. A missionária inglesa pertencia a família de industriais têxteis, e conhecia os benefícios proporcionados em seu país pelo ministério da escola dominical, transformando pessoas marginalizadas em cidadãos inseridos na sociedade.
Talvez pudéssemos, a partir destes relatos, destacarmos um princípio missiológico kalleyano – mapear as necessidades locais da comunidade alvo e desenvolver ministérios objetivando diminuir sofrimento e ou deficiências da população – ou seja, fazer missão implica em ser relevante ao homem e mulher integral.


2º) RECONHECER LIMITAÇÕES PESSOAIS – TRABALHAR EM EQUIPE

Os missionários reconheciam suas limitações pessoais e enviam convite para que outros viessem fazer missão no Brasil. Após seis meses, no final de dezembro de 1855, chegou William Deatron Pitt, discípulo de Sarah. No segundo semestre de 1856 chegam as famílias dos madeirenses Francisco da Gama, Francisco de Souza Jardim e Manuel Fernandes. Eram discípulos de Robert desde seu ministério na Ilha da Madeira, homens experimentados na missão e na adversidade. A escolha não era ao acaso, o casal de missionários buscava estabelecer pluralidade ministerial que atingisse áreas não alcançadas. Ficou sob a responsabilidade de Francisco da Gama estabelecer a igreja no Rio de Janeiro. Não bastava reconhecer limitações, Robert e Sarah delegavam funções e responsabilidades no ministério desde o seu início. Robert visitava constantemente o trabalho, consolando, ajudando, exortando, admoestando, enfim, infundindo fé. A comunidade iniciante possuía experiência adquirida na Ilha da Madeira. O projeto missiológico kalleyano dá-se no cotidiano. Não aceita “chamada específica futura” para o exercício da missão. Mesmo sem possuírem treinamento de missões traziam dentro de si a experiência adquirida através do testemunho fé. Podemos reconhecer um segundo princípio missiológico kalleyano: o ministério em equipe, colegiado. A missão desenvolveu-se sob forma de rede ministerial, cada qual possuía uma área de ação, de acordo com suas aptidões e circunstâncias. Não havia modelos transplantados.


3º) UM MINISTÉRIO CRIATIVO E FIEL AOS MODOS DO SENHOR

Quando estudamos os diversos ministérios no livro de Atos percebemos a marca das circunstâncias, assim surgiram os diáconos, os presbíteros e os pastores. Da mesma forma, circunstancialmente, foram estabelecidos os diversos ministérios na formação da Igreja Evangélica Fluminense. O alvo era estabelecer uma igreja formada com crentes nacionais, auto-sustentada, na capital do império brasileiro. A estratégia primordial era o testemunho dos crentes no cotidiano, o culto doméstico, a escola dominical, o serviço de colportagem e a publicação de matérias nos jornais. Outras frentes eram abertas através dos recursos pessoais: a utilização dos conhecimentos de Farmácia e Medicina por Kalley, uma escola de inglês aberta por Pitt com um amigo, William Esher, os contatos sociais das mulheres, estudos bíblicos realizados nos locais de trabalho nos intervalos das refeições. Nem todos os projetos lograram êxito. Francisco da Gama iniciou uma escola de primeiras letras que não conseguiu desenvolver-se. Os colportores buscavam estabelecer outros locais de culto entre sua clientela, poucas casas se abriram, entretanto, destes esforços, coroados de sucesso ou não é que surgiu a nova igreja, de nacionais para nacionais. Temos aqui um terceiro princípio missiológico kalleyano – estabeleça uma missão flexível, tanto nos métodos como no endereço, evite “engessar” projetos. É importante manter intacta a pureza e a essência do evangelho, pregar as boas novas do Reino e os modos (ética/moral) do Senhor.


CONCLUSÃO

O tema “missão kalleyana” pouco tem sido explorado por nossos especialistas, talvez por desconhecimento ou por não darem valor à nossa história. Entretanto, a forma de fazer missão dos Kalley pode ajudar-nos a encarar o cotidiano como espaço ministerial e a relembrarmos o 22º artigo de nossa confissão de fé (o sacerdócio universal dos crentes em Cristo). Talvez seja importante num tempo em que nossos fóruns denominacionais parecem se preocupar com a falta de crescimento de nossas igrejas. Pensando nisto escolhi apresentar estes três princípios por considerá-los fundamentais para o entendimento das estratégias de nossos pioneiros. Neles reconhecemos pontos da missão integral (1º princípio), o ministério colegiado (2º princípio) e a criatividade e fidelidade aos modos do Senhor no cotidiano (3º princípio).

O tema “missão kalleyana” pouco tem sido explorado por nossos especialistas, talvez por desconhecimento ou por não darem valor à nossa história

Douglas Nassif Cardoso

Sobre o autor

Douglas Nassif Cardoso

Pastor congregacional, Teólogo, Administrador de Empresas. Graduado em Teologia pelo Seminário Bíblico de São Paulo (1984) e em Administração de Empresas pela Universidade Cidade de São Paulo (1976). Mestre (2000) e Doutor (2004) em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo. Concentra suas pesquisas e sua atuação docente na área de História da Igreja, principalmente nos temas: História do Protestantismo, Biografia, Teologia e Música Sacra. É docente dos cursos de Teologia (Graduação Presencial), Teologia (EAD) e Teológico Pastoral.

Seminário Betel Brasileiro

Responsabilidade no Ensino Teológico desde 1935.
Vocacional, Cristocêntrico e Interdenominacional.